ENTREVISTA EXCLUSIVA COM A LENDA DO BASQUETE FEMININO, ERIKA DE SOUZA.

Imagem: Reprodução / Instagram

Que a ERIKA DE SOUZA é uma grande atleta, em todos os sentidos, isso é indiscutível! Melhor ainda, foi poder conhecer mais a fundo sobre a “TIA” Erika, como carinhosamente é chamada por muitas jovens atletas, que além da admiração profissional, nutrem por ela uma relação de muito afeto.

Aquela Erika de Souza, das quadras, que joga duro, “dá cotoveladas”, grita, extravasa nas comemorações, etc, fica apenas dentro das quadras. Fora delas, vemos uma Erika com uma sensibilidade aflorada, gentil, chorona, humilde e acima de tudo GRATA por tudo e por todos que, em algum momento, cruzaram sua trajetória.

Com intenções iniciais de disputar sua quarta Olimpíada (Paris-2024), que acabaram sendo frustradas pela eliminação no Pré-olímpico, a aposentadoria de Erika, junto à Seleção Brasileira, acabou sendo antecipada. Mas nada poderia diminuir a grandeza desta atleta, multicampeã por onde passou. Erika sai de cabeça erguida, deixando um legado enorme para as futuras gerações.

Leiam agora essa emocionante entrevista de Erika de Souza, ao Portal Nosso Botafogo.

Jonathan Motassole: – Conte um pouco da sua trajetória. Como foi o seu início e as grandes dificuldades enfrentadas?

ERIKA: – Eu sou da Zona Oeste do Rio, Jardim Palmares, em Campo Grande. Comecei no Projeto Olímpico da Mangueira. Era bem difícil! Eu consegui uma bolsa de estudos no Colegio Delta, em Santa Cruz, então eu saía do colégio e tinha que pegar duas conduções, pegar trem, pra poder treinar na Mangueira. Minha família não podia me ajudar 100%, mas eu tive ajuda de outras pessoas pra poder realizar este sonho. Foi difícil, mas não foi impossível chegar até aonde eu cheguei. As vezes eu ficava o dia inteiro sem almoçar, comia apenas um lanchinho que davam na Mangueira, que era um suco e um pão doce.

Jonathan Motassole: – Você é de uma geração que sucedeu a geração da Hortência, Magic Paula, etc, também jogou com a Janeth. Como foi o seu início na Seleção?

ERIKA: – O meu começo foi muito bom! Eu comecei na época da Janeth, Alessandra, a Tuiú (Cíntia), que foram pessoas que me ajudaram muito. Eu tive que trabalhar bastante pra fazer parte desta equipe e eu tive o privilégio de estar junto delas, conhecê-las melhor. Sofremos bastante, pois tudo relembravam da época da Paula, da Hortência, que ganhavam tudo, etc. Mas graças a Deus, conseguimos ganhar os Jogos Panamericanos, em 2019, abafando um pouco isso. Não era ruim ter a Paula ou a Hortência, mas era um momento nosso. Nós queríamos escrever a nossa própria história, escrever o nosso nome. Por isso foi muito importante ter vencido o Panamericano. Depois vieram a Copa América, o Sulamericano, … E em cinco anos conseguimos consolidar o Basquete feminino, que desde 1994 estava bem apagado, bem triste, bem distante das pessoas saberem quem eram as novas gerações. E isso foi muito importante, pois eu pude passar um pouco da minha experiência para as meninas. Foram 25 anos servindo à Seleção e se eu pudesse seriam mais 25, pois eu amo estar na Seleção. As meninas tem um carinho muito grande por mim, me chamam de TIA e eu fico muito feliz. Eu louvo a Deus por estar junto delas. Passei experiência pra quem saiu, pra quem chegou e pra quem está ficando. E só tenho a agradecer à época da Paula e Hortência, que abriram os caminhos pra sermos quem somos, hoje em dia e mostrarmos que o basquete feminino não ficou lá na Paula e Hortência. Agora é um novo basquete e precisamos melhorar muito, crescer, mostrar que estamos no caminho certo. E precisamos de divulgações, de mídia, de ajuda, porque senão, infelizmente, continuaremos no meio do caminho. E independentemente de eu estar me aposentando, eu sempre estarei à disposição da Seleção e das meninas.

Jonathan Motassole: – Você jogou três Olimpíadas (2004, 2012 e 2016). Em 2004 foram muito bem, quase conseguindo a medalha de Bronze. Mas nas outras, não foram tão bem como se desejava. Como foi a sensação de chegar tão perto, mas nas outras não?

ERIKA: – As Olimpíadas de 2016 foram bem frustrantes, pois não conseguimos ganhar nenhum jogo. Foi a geração que algumas jogadoras estão até hoje, que é o caso da Damiris, Isabela Ramona, Tainá. Poderíamos ter feito algo a mais, mas como eu falei, precisa de muito investimento, de muito apoio, de pessoas que realmente acreditem no basquete feminino, pra podermos ir pra fora, disputar amistosos com equipes de ponta, como França, Espanha, Austrália, que são equipes que vão acrescentar algo à nossa Seleção.

Jonathan Motassole: – Você é uma atleta muito querida no âmbito esportivo. Vem recebendo muitas homenagens, tanto de colegas, quanto de Comitês. Como tem sido a sua mente, se preparando para este momento de despedida? Você está se despedindo da Seleção, mas essa também será sua última temporada por clubes.

ERIKA: – Se eu disser que foi fácil, eu vou estar mentindo. Foi bem difícil! Eu venho me preparando a bastante tempo. Venho conversando com meu esposo, com a psicóloga da Seleção, com amigas que já pararam de jogar, … E assim, já era pra eu ter parado há muito tempo. Eu estou há oito anos casada, eu sonho em ser mãe, quero ter filhos. Eu fui enrolando, enrolando. Eu estou com 41 anos. Em 9 de março eu faço 42. Então eu quero me preparar, ir ao médico, ver se está tudo certo comigo. Eu falei ao meu marido que jogaria até Paris (Olimpíadas de Paris-2024), depois eu me aposentaria e engravidaria. Mas foi bem difícil! Foram 25 anos de Seleção, 20 de Europa, 13 de WNBA, então para parar assim de uma vez é bem complicado. Eu quero jogar mais um ano na LBF, quero parar bem, ser campeã. Eu vou sentir muita falta da rotina com a Seleção. Foi difícil, mas eu venho recebendo o apoio de muita gente, recebendo várias mensagens parabenizando por tudo o que eu fiz pela Seleção. Foi difícil, mas sei que Deus tem um plano na minha vida, se eu cheguei até aqui, foi graças a Ele.

Jonathan Motassole: – Você tem o desejo de permanecer no esporte após a aposentadoria? Assumir algum cargo diretor, trabalhar como técnica, ou algo do tipo?

ERIKA: – Quando eu parar, meu planejamento é ser mãe. Eu até já tive convites pra ser técnica, ser Diretora, mas pra isso, eu preciso sentar com meu marido, pensar, ver se realmente é isso que eu quero.

Jonathan Motassole: – Você tem um projeto, em Campo Grande. Queria que você falasse sobre esse projeto, como começou, quem te ajuda neste projeto, como o projeto funciona?

ERIKA: – Na verdade, começou por causa de uma brincadeira. Eu comecei aqui no Bairro Jardim Palmares, em Campo Grande. Sempre tive muita energia, sempre fui muito alta, “molecona”, então os amigos dos meus pais sempre me chamavam para brincar. Um filho, de um desses amigos do meu pai, me chamou pra fazer parte, se eu queria montar um projeto. Quando eu vinha, eu acabava passando rápido, não tinha tempo para estar presente o tempo todo. Então, o Douglas e o Júlio são os responsáveis do projeto. Eles dão as aulas às quartas e sábados e quando eu estou de folga, eu ajudo, eu estou sempre incentivando. E assim começou o projeto aqui no Bairro. E eu quero estar mais presente, ajudando a dar aula, conselhos. Temos meninas que jogam no Botafogo, estão participando da Seleção Carioca. E eu fico muito feliz, muito honrada em poder estar junto, participando, levando o nome do meu bairro para outros lugares. Depois que eu parar, eu quero estar mais tempo aqui, pois tem muitas crianças. Esse projeto vai dar frutos. Daí vão sair outras Erikas, outros Erikos. Tem um menino que saiu daqui e está no Fluminense. As vezes, as famílias não tem dinheiro, então eu contribuo com dinheiro da condução. Eu tenho uma loja de suplementos, aqui no Bairro e as vezes eu dou suplementos, dou camisetas para eles estarem participando de algum campeonato. Eu quero estar mais presente, ajudando a melhorar o projeto aqui do Bairro.

Jonathan Motassole: – Você citou o Botafogo e eu vejo que nas redes sociais você segue muita gente do Botafogo, muitas páginas do Botafogo. Você é botafoguense, de fato?

ERIKA: – Eu sou botafoguense! Não nego isso pra ninguém. Quando eu posso, eu vou assistir aos jogos. Eu sou botafoguense “preta e branca”, sou botafoguense doente e todo mundo sabe disso. Eu não nego isso a ninguém. Uma vez eu fui assistir a um jogo entre Flamengo x Santo André e fui chamada para dar uma entrevista. Aí eu falei que só estava ali, porquê estava com a Seleção, mas que eu sou botafoguense e não estava torcendo pra ninguém. Só fui porque fui obrigada [risos].

Jonathan Motassole: – Já teve alguma proposta de projeto, do Botafogo com você, ou algum outro tipo de contato do Botafogo?

ERIKA: – Infelizmente, não! Só uma vez que o Carlos (Salomão – Diretor do Botafogo Basquete), no primeiro ano dele, no Botafogo, falou que iam montar um time feminino e que me queria no projeto, mas a ideia acabou ficando no ar e “o vento levou”. Mas eu quero muito ter a capacidade de montar um projeto e levar ao Botafogo, nem que seja nas categorias de base. Quem sabe até juntar Mangueira e Botafogo, numa parceria. Os dois clubes que eu amo, juntos! Meu sonho!

Jonathan Motassole: – A gente já está quase acabando, mas antes, eu quero te agradecer imensamente pela entrevista e por todo o tempo que você cedeu. Quero te perguntar qual a sua expectativa sobre o futuro do basquete feminino e a realidade do basquete feminino, hoje?

ERIKA: – Ah, já está acabando?! Que pena! Eu estava gostando de conversar com você. Olha, de 2019 prá cá, melhoramos muito. Com a vinda do Neto e da comissão, saímos do 15° ao 8° lugar. Isso é muito difícil! Mas temos muita coisa a melhorar. Eu tenho certeza que essa nova geração vai levar o Basquete feminino às alturas, de onde nunca deveríamos ter saído. Tínhamos uma potência, o nome “Brasil – Basquete Feminino” era temido. Temos que dar continuidade a isso. O Basquete feminino tem que ter mais visibilidade, precisa estar nas mídias, precisa de divulgação, precisa de patrocínio, precisa de um olhar com mais carinho. A gente não quer “roubar” nada do Basquete Masculino. Só queremos o que é nosso por direito. Independentemente de eu já ter parado, eu quero ajudar o Basquete a crescer, quero que outras meninas vão à WNBA, vão à Espanha. Queremos mostrar que temos capacidade de ter um contrato com a Nike, com a Adidas, ou qualquer outra. Têm meninas que ganham quinhentos reais, sendo que um tênis é oitocentos e ela ainda ajuda a família. Não tem como! Por isso precisamos de investimento. As empresas, as marcas poderiam olhar para nós com um pouco mais de carinho.

Jonathan Motassole: – Que bom que você gostou. É muito bom poder conhecer mais sobre a Erika, no íntimo, pois a Erika de Souza, atleta, guerreira, profissional, a gente já conhece. Pra encerrar, eu queria que você mandasse uma mensagem para àqueles que foram sua base, seu suporte, desde o início. Sei que a Homenageada é você, mas agora queria que você tivesse a oportunidade de homenagear as pessoas que estiveram sempre ao seu lado e te ajudaram de alguma forma. O que essas pessoas representam pra você?

ERIKA: – Primeiramente, eu queria agradecer a Deus, pois se não fosse Ele, a me dar esse tamanho, essa altura, eu nada seria. E à minha mãe, que infelizmente não está aqui, mas eu sei que lá de cima, aquela estrelinha, que as vezes quando estou triste, quando estou desanimada e querendo desistir de tudo, eu olho pro céu e vejo aquela estrela solitária brilhando. Eu sei que é minha mãe olhando por mim, me mandando energias positivas, me dando força pra dar continuidade, nesses anos todos que eu morei fora. Agradeço à minha mãe, minha vó, meu marido, meu pai, meus irmãos, Tia Dalva, Bodão, Paulo, pessoal da Mangueira, do Projeto Olímpico da Mangueira, pessoal do meu Bairro, Jardim Palmares, que sempre me apoiaram, todos os meus treinadores, são tantos, mas todos àqueles que me ajudaram. Na época, eu não tinha dinheiro para a merenda, para a passagem. Na época um Real era muito dinheiro, eles tiravam do dinheiro deles, que eram o Gerson, Tia Dalva, a Flávia, que é minha amiga de infância e me atura, me ajuda, me manda mensagem, me liga, a gente fica horas conversando, enfim, é uma lista enorme de pessoas que eu tenho que agradecer, que eu devo a vida. O meu agente Fábio, o Nicholas, que foi meu primeiro agente, a galera do Osasco, que eu fui quando eu tinha apenas 16 anos e com 19, eu já estava na WNBA. Enfim, é muita gente que faz parte da minha vida, nesses 25 anos. A CBB, ao Neto, todos os treinadores que me ajudaram, apoiaram, me convocaram ou desconvocaram, vocês, repórteres que sempre estiveram presentes no meu dia-a-dia, que sempre querem saber de mim e da minha história. É muita gente! Eu agradeço a Deus, por todas essas pessoas. Quando eu estive lá fora e nem falava inglês, pessoas que foram meus tradutores, me incentivaram e ajudaram e até hoje eu tenho contato. E também àqueles que nem tenho mais contatos. Eu sou muito privilegiada por ter chegado aonde cheguei, ter feito o que eu fiz, ter melhorado a vida da minha família, a minha vida e sem saber, melhorei a vida de muitas jogadoras, muitas meninas, eu sempre fui inspiração, sempre fui um exemplo e vou continuar sendo exemplo pra essa nova geração. Obrigado, obrigado, obrigado por tudo. Sem vocês, eu nada seria.

E dessa forma tão emocionante, encerramos nossa entrevista com a queridíssima Erika de Souza, ídolo do nosso Basquete Feminino brasileiro.

5 respostas

  1. Parabéns pelo seu legado, prima! Lembro-me de assistir você jogando na quadra de JP com o meu pai e com os outros caras, você era a única menina no meio deles, era, é e sempre será uma grande inspiração! Parabéns, mais uma vez!

  2. “Erika de Souza, um verdadeiro exemplo de superação! Sua jornada é um farol de esperança para todas as jovens das periferias, mostrando que é possível alcançar grandes sonhos com determinação e força de vontade. #Inspiração #Superação #ÉrikaDeSouza”

  3. Conheci Erika de Souza ainda bebê! E que bebê!!! Já dizia que veio para vencer!!! Foram muitas dificuldades, isso eu sei, pois acompanhei toda a sua trajetória! Hoje é o nosso orgulho! Orgulho do povo brasileiro! A Lenda do Basquete Feminino Brasileiro! Parabéns! Deus te abençoe!

  4. Conheci a Erika a tao pouco tempo mas de cara vi uma pessoa incrível á minha frente dedicada 100% em tudo que faz, prestativa, carinhosa, sempre disposta a ajudar o próximo e uma pessoa de uma pureza sem tamanho, espero que encontre seu lugar de conforto após sua aposentadoria pois será uma mudança grande.

    E tenho certeza que será uma boa mãe 🙏☺️pois tem tudo que e um filho precisa ter.

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